Alferes de ordenanças que assinava pelo nome de Manuel Teixeira
da Silva, o Rifa de Borba de Godim viveu no lugar de Bouça Chã, da
freguesia de Borba de Godim na Segunda metade do século XVII.
Memórias que chegaram aos nossos dias retratam-nos um homem de
muito génio, de muitos expedientes, de muitas subtilezas, capaz
das maiores habilidades.
Entre as muitas "façanhas" atribuídas ao Rifa, vai-se recordar
aquela que mais terá contribuído para o perpetuar no imaginário
lixense - e que há alguns anos o Padre Custódio Marinho fez
publicar em "O Jornal da Lixa":
O Rifa de Bouça Chã, era vizinho e inimigo do Conde do Paço de
Borba de Godim, D. Francisco Diogo de Moura Coutinho. Mas mesmo
tendo o fidalgo por inimigo, não se intimidou, e certo dia foi
mesmo pedir-lhe a fineza de lhe deitar abaixo dois castanheiros,
que muito prejuízo lhe davam com a sua grande sombra.
O fidalgo negou-se, afirmando que tinha em bom apreço tais
árvores, que se estavam a desenvolver a olhos vistos.
Perante aquela recua, o Rifa seguiu outro caminho. Arranjou um
amigo, muniu-se de um serrão, e certa noite invernosa meteu o
serrão às árvores até mais de meio, recolhendo depois novamente à
cama.
O vento soprou rijo, e ainda era noite e já as árvores estavam no
chão. Para o caso.
Não se demorou a informar do caso o Tribunal de Celorico de Basto,
a cujo julgado Borba de Godim pertencia. Pôs ali a queixa contra o
RIFA...
Em devido tempo o Rifa foi informado do dia e hora do seu
julgamento. E aproveitou o tempo de permeio para se preparar.
Uns dias antes do julgamento, e em dia de feira, entrou no
Tribunal a preparar a defesa. Já lá dentro, mediu os funcionários,
notou o momento oportuno de mais movimento, e perguntou:
« - Os senhores fazem o favor de me dizerem: Aqui é que mora o
senhor Juiz? »
Ninguém lhe respondeu.
Um pouco depois, o Rifa voltou à carga:
« - Ó Senhores: podem fazer-me o grande favor de me dizerem: aqui
é que mora o senhor Juiz? »
Era dia de feira, o movimento cresceu, mas ninguém falou.
Agora estava mais gente, olhando para o homem aflito, e ele, o
Rifa, pondo-se gritou:
« - ...mas eu venho de tão longe, e ninguém nesta terra me
dirá!... Ó Senhores, é aqui que mora o senhor Juiz? »
E logo de seguida: « Ai valha-me Deus, que neste mundo já ninguém
me atende... »
Nesse preciso momento moveu-se um homem, que abeirando-se do Rifa,
interrogou:
« - Que é que você quer? »
« - Ó meu senhor, muito obrigado pelo incómodo e pela atenção que
me está prestando...»
« - Mas diga, diga o que quer, homem! »
« - Ó meu rico senhor, eu queria saber, e já perguntei três vezes:
é aqui que mora o senhor Juiz? »
« - Ouça: o Juiz sou eu! »
« - Ai, meu senhor! Então Vossa Excelência é que é o senhor Juiz?
Peço-lhe licença para lhe prestar as minhas homenagens,
comprimentando Vossa Excelência, que exerce nesta comarca tão
ilustre e subido cargo. Eu me dobro, respeitosamente, perante tão
alta dignidade... »
« - Ouça - repete o Juiz: - Diga o que quer... »
« - Então com sua licença... Sim, meu senhor. Eu sou o Rifa, de
Borba de Godim, contra quem o Fidalgo do Paço de Borba de Godim
pôs questão caluniosa neste Tribunal. Se vossa Excelência se
informar bem, assim saberá que é verdade. »
« Eu, o Rifa, subi hoje aqui q este alto tribunal, com muito
custo, sim, com muito respeito para conversar com Vossa
Excelência. Porque eu hoje ainda sou um cidadão português, digno
de crédito, digno de atenção, digno de confiança. Depois de amanha
já não serei um cidadão, nem terei crédito, nem merecerei atenção,
nem terei confiança, por estar preso, estar perdido... »
« ... O Fidalgo luta contra mim, e Vossa Excelência para lhe fazer
a vontade, para me derrotar, para que a calúnia vingue, para me
meter na cadeia, vai receber uma parelha de cavalos brancos,
presente real, que não pode ser desprezado! Vossa Excelência vai
aceitar o presente dos cavalos brancos que valem uma fortuna, para
que Vossa Excelência possa passear, com tal luxo, enquanto eu
sofrerei na masmorra um castigo injusto... »
O Juiz, espantado, grita:
« - Ó homem, cale-se, que tudo isso é mentira! »
O Rifa, naturalmente que se não intimidou, e retorquiu de
imediato:
« - Mentira e calúnia é o que o Fidalgo afira de mim, para me
meter na cadeia. O que eu digo, ouçam todos, meus amigos, é a pura
verdade. Os cavalos brancos já estão bem prontos, apenas aguardam
a minha condenação. Saibam todos que o senhor Juiz vai receber
esse luxo real: uma parelha de cavalos brancos, puro sangue,
soberbos cavalos, da melhor ferramenta, que se encontra entre nós!
»
O Juiz, cada vez mais atónito, grita:
« - Ó homem, cale-se, se não eu mando-o prender!... »
« - Ó meu rico senhor, hoje não, que ainda é o dia aprazado. Vossa
Excelência aguarde o devido tempo, porque de contrário o Fidalgo
de Borba de Godim, que é um sabido, pode negar-lhe aquele presente
real, que é a formosa parelha de cavalos brancos que lhe custaram
os olhos da cara, que ele é um unhas de fome, e um caluniador
genial. »
« Que Vossa Excelência perca os cavalos brancos já prometidos isso
nunca, que eu prefiro ir para a cadeia, se Vossa Excelência me
prometer que me deixa estar à janela, só para me regalar de ver
Vossa Excelência passar na berlinda enriquecida, com a parelha dos
famosos cavalos brancos.»
O Juiz escapou-se da presença do Rifa, dando ordens aos seus
homens para o porem pela porta fora.
O Rifa, que tina dado o seu recado, foi-se embora...
No dia aprazado o Rifa foi julgado e dado como não provado o que
nos autos se lhe referia ( a responsabilidade de Ter serrado os
dois castanheiros ), pelo que foi mandado em paz.
O Fidalgo do Paço de Borba de Godim, perante tudo o que se tinha
passado, ofereceu uma sineta para a capela de S. Roque de Borba de
Godim ( capela que agora está no lugar de Vilar e primitivamente
se encontrava no monte que ficava entre a Igreja e o lugar de
Balazar ), e sineta onde D. Francisco Diogo de Moura Coutinho
mandou fosse gravada a seguinte inscrição: « Santo Roche ora pro
nobis. Libra nós Dios do Rifa. Ano de 1777».
E se muita razão teve o Fidalgo do Paço de Borba de Godim para
mandar gravar no bronze aquela prece, também não tem menos razão
quem, a partir do conhecimento deste episódio, passar a considerar
Manuel Teixeira da Silva - o Rifa de Borba de Godim - um dos
FINITOS INFINITOS DA FELGERIAS RUBEAS!